A Tecnologia como Agente de Transformação na Economia

Esse blog vai falar bastante de tecnologia e agilidade, mas eu também sou pessoalmente atraído por política e economia, e mais ainda quando estes temas encontram tecnologia (como os meus inúmeros comentários acerca do Marco Civil atestam). Recentemente ouvi uma discussão espetacular na RSA (é a Royal Soceity of Arts e não Rivest-Shamir-Adelman) - aliás, se você nunca assistiu aos RSA Animate, pode parar de ler e assistir alguns agora - e essa discussão me deu umas ideias que eu acho importante discutir.

Foi um papo entre o professor Costas Lapavitsas - pesquisador do relacionamento entre finanças e desenvolvimento; o jornalista Paul Mason - analista dos movimentos sociais recentes e a influência da tecnologia; Mariana Mazzucato - pesquisadora da relação entre governo e desenvolvimento; e Seumas Milne -  um crítico do modelo de livre mercado e observador das mudanças na América Latina no século XXI; facilitado pelo Ben Chu  - editor de economia do jornal The Independent; sobre como transformar a economia pós-crise. Gente bacana e assunto interessante.

Eis algumas das trocas que rolaram (traduções minhas):

“A ideia é que os acionistas são os que estão se arriscando mais (...) Dai você se pergunta, quem de fato investiu, quem de fato criou o valor que criou a Internet (...) era, frequentemente o contribuinte (...) Não havia garantia de retorno e a Internet foi 100% financiada pelo governo.”
— Mariana Mazzucato

Esse é um ótimo ponto! Muitas vezes quando se fala do papel do investidor na sociedade, esquecemos que o maior investidor em tecnologia (e na maioria dos outros campos) é o próprio estado, financiando através de impostos. Quem defende uma menor participação do estado na economia, deveria articular como, então, essas grandes apostas serão feitas. Por outro lado, quando a iniciativa privada defende um aumento do direito das empresas em detrimento do direito dos cidadão alegando o interesse de seus acionistas, convenientemente esquece que quem investiu na tecnologia de base (seja diretamente, seja por investimentos em educação e outros) é exatamente o cidadão/contribuinte. Creio que nesse sentido, qualquer desejo da sociedade de regular esses setores seja legítimo e que o discurso do "estado mínimo" seja no melhor dos casos míope, e no pior dos casos age com má fé.

“Produtos baseados em informação não podem ser precificados, a não ser que se crie um monopólio sobre estes, pois eles podem ser infinitamente copiados (...) um iTune, não é um bem escasso (...) a tecnologia da informação está destruindo o mecanismo de preços (...) não existe ‘valor’ lá (...) A economia da informação está surgindo, mas não poderá ser uma economia de mercado (...) Nós temos que olhar para as novas formas ‘não mercantis’ que estão surgindo espontaneamente na economia da informação (...) o motivo que não se pode ter uma Wikipedia privada, é por que a Wikipedia existe. O motivo que não se pode ter um Linux privado, é por que o Linux existe. E o mesmo para tudo o mais que é Livre, pois foi criado no tempo livre das pessoas e esse é o solvente do sistema de mercado.”
— Paul Mason

Então, agora, além do estado gerando valor fora da estrutura do mercado, a tecnologia permite que as pessoas também criem valor fora da economia de mercado, construindo em cima da "plataforma" criada pelo investimento público. E o que vemos são as empresas - construídas na lógica de mercado do século passado - tentando justificar a sua existência criando monopólios sobre a informação, mas esses monopólios são destruídos instantaneamente quando uma solução Livre aparece.

“Se você olhar para a ‘Economia Verde’ emergente (...) se somar todos os investimentos privados... Tudo... Fundos privados, capital de risco, financiamento através do mercado de ações e investimentos corporativos em 2012 isso dá um total de U$12.5 bilhões para energia renovável. Se pegar [4] bancos de investimento estatais que são incrivelmente ativos, fazendo o que os bancos de investimento não estão fazendo, que é gastos anti-cíclicos, desenvolvimento de capital na economia (...) e também o próximo grande ‘lance’ depois da internet [economia verde] (...) KFW , o banco público Alemão, o Banco de Desenvolvimento da China (...), O Banco Brasileiro de Desenvolvimento e o EIB [European Investment Bank] (...) somam U$80 bilhões (...) o que nos leva ao ponto [de Costas]: Por que ainda temos os bancos privados? (...) O problema é que não temos um arcabouço para falar do que esses bancos de investimento estão fazendo, e eles estão sob um tremendo ataque. (...) No Brasil tem eleições vindo ai e a direita (...) está extremamente preocupada com um BNDES extremamente ativo, que por acaso também é muito bem sucedido com 21% de retorno no investimento (...) e o tesouro recebe boa parte disso e reinveste na economia.”
— Mariana Mazzucato

Mariana apresenta um exemplo de como ainda hoje, o investimento de base é desproporcionalmente feito pelo capital público. É interessante notar que o BNDES - extremamente criticado no Brasil e as vezes citado como um exemplo de dinheiro público sendo desperdiçado - na verdade gera retornos enormes para o tesouro público, e é observado no exterior como um agente de inovação, servindo até de modelo para o governo Obama.

O que eu aprendi nesse papo foi de que tem muita gente que vê a tecnologia como a força que vai salvar a economia do vício financista que se desenvolveu, aonde empresas e bancos se preocupam mais em maximizar retornos do que gerar valor para a sociedade. Isso é o que o modelo atual os incentiva a fazer, e os painelistas debateram as saídas para isso.

Costas traz uma visão mais estrutural, aonde o sistema financeiro deve assumir um papel social e aonde as empresas não se tornem no fundo "instituições financeiras" (uma tendência que tanto ele quando Mariana observaram).

Mariana destacou que os bancos de investimento privados tem um retorno insignificante para a sociedade quando comparados com os bancos de desenvolvimento (como o BNDES), mas mesmo, assim - e talvez exatamente por isso - os bancos de desenvolvimento são constantemente criticados.

Paul demonstrou, ainda, que o modelo atual só se mantém estável por que ainda consegue forçar práticas monopolísticas em cima de estruturas que são intrinsecamente anti-capitalistas, como Software Livre e peer-to-peer. Ele acredita que um novo modelo pós crise deverá surgir de uma colaboração entre essa nova sociedade conectada, o mercado e um governo central.

Finalmente Seamas destacou como os países do Sul Global desenvolveram nos últimos 10 anos, modelos alterativos aos modelos dos países desenvolvidos.

Achei muito interessante ver que a tecnologia, mesmo sem necessariamente fazer parte da discussão sobre a economia pós-crise, apareceu espontaneamente e como existem ângulos novos a ser explorados. Talvez o mais fascinante destes seja a relação entre o dogma de "retorno para o acionista" sendo contrastado com o "retorno para a sociedade", uma vez que a sociedade investiu massivamente em muitas das tecnologias que viabilizaram essa transformação que observamos. É uma discussão que acho extremamente pertinente no Brasil, pois agora temos uma economia que começa a gerar capital para investir, mas se depara com a crença de que o Estado não dve investir em tecnologia, enquanto assiste países desenvolvidos colhendo o fruto deste investimento.

Eu tenho a minha opinião, mas estou interessado em ouvir outras. O que você acha?